Texto de Luís K. W. recebido por mail a 22-10-2006Na prova da Travessia do Sado houve vários nadadores, entre os quais me incluo, que se queixaram da falta de organização e da falta de apoio (ou de formação) que os canoistas prestaram aos nadadores.
Mas não há nada que se compare com as peripécias por que passou o nosso colega, Pedro Basílio, por quem tenho grande admiração – sobretudo desde que me ganhou numa "prova" de 5000m no EUL! É que o Pedro é dos poucos deficientes que entra nestas aventuras das Águas Abertas.
O Pedro não tem tido sorte com as provas de Águas Abertas. Normalmente recusavam aceitar a inscrição por ele ser deficiente. Mesmo após ter nadado os 15km do Challenge de 2003 (cuja partida era de dentro de água), 15 dias depois não o deixaram nadar numa travessia em Setúbal alegando que ele não demonstrava ter capacidade física para tal, mesmo depois de ele ter mostrado o cartão de nadador-salvador!
No ano seguinte, lá o deixaram nadar. Teria ficado em terceiro atrás de um tipo que levava fato isotérmico, se não o tivessem desclassificado. Ainda hoje ele se pergunta se terá sido por engano (trocaram o número do nadador que ia de isotérmico) ou se por ele fazer batota, ao fazer o batimento com apenas uma perna.
Este ano, a prova dele em Setúbal terminou de forma rocambolesca. Como ele tem andado apoquentado com uma lesão na coxa, abrandou o ritmo a meio da prova. Dali a pouco começou a sentir frio e perguntou ao canoista que distância faltava. A resposta foi que faltavam 1300m. Como ele já estava há uns 40min dentro de água, pensou que não iria concluir a prova em segurança, pelo que decidiu abandonar a prova.
Mal se apoiou na canoa apareceu, caída do céu, a lancha dos fuzileiros da Marinha. E "caída do céu" é o termo mais apropriado, pois a lancha aterrou em cima da canoa, tendo esta ficado entalada debaixo do bote. O Pedro lá deu uma ajuda para tirar a canoa debaixo do bote, e subiu para dentro do bote.
Só aí é que o Pedro se apercebeu que estava realmente a menos de 500m da meta, e que até podia ter terminado a prova. O bote que o recolheu resolveu ir fazer um rally com o Pedro lá dentro, sem nada com que se agasalhasse do vento. No meio de tantas manobras a alta velocidade, acabaram por abalroar outro barco, tendo o Pedro andado aos trambolhões dentro do bote.
Após este segundo acidente, lá o largaram junto ao cais, numa zona em que a parede era a pique, que o Pedro teve de escalar por uns pneus (lembrem-se que ele não tem uma perna). Houve umas pessoas que chamaram os Bombeiros que o ajudaram, meteram dentro de uma ambulância e o levaram para o Hospital.
Como o Pedro estava em hipotermia, foi talvez o mais correcto. Mas não se pode largar um indivíduo que está a participar numa competição, todo molhado, em fato de banho, sem documentos, sem dinheiro, sem meios de contactar ninguém (e sem a prótese que lhe permite deslocar-se!) num Hospital e virar-lhe as costas!
No Hospital houve, felizmente, um médico que tomou conta do Pedro e que, por precaução, o mandou fazer umas análises. Só que essas análises levaram imenso tempo (perderam-se algures) e não lhe queriam dar alta sem terem o resultado dessas análises.
Ultrapassado o problema da alta, o Pedro estava completamente nu (e sem perna) e sem transporte para o local onde estavam as suas roupas (e a prótese). Valeu-lhe a boa vontade de um condutor de uma ambulância que o levou ao local da chegada da prova dos 2.800m.
E com isto tudo, como diz o Pedro, "nem tudo foi mau. Não é todos os dias que se ganha um pijama de um Hospital" (que foi a roupa com que ele chegou, ao pé coxinho, ao local da chegada e com que andou até encontrar o pessoal da organização ao cuidado de quem tinha sido entregue a prótese dele)!
Independentemente da deficiência do Pedro Basílio, isto não devia acontecer! Um nadador que vai parar ao Hospital com hipotermia não pode ser simplesmente abandonado pela ORGANIZAÇÃO. No caso de Pedro, a coisa é ainda mais grave por lhe ter sido entregue (e de ter aceite) a responsabilidade de guardar a prótese que o Pedro necessita para andar cá fora.
Espero que esta história seja divulgada para que as organizações das provas estejam melhor preparadas para incidentes deste tipo. É a NOSSA segurança que está em jogo!