Baltar Leite: “Estão a aparecer bons resultados”

Entrevista por Rita Taborda in Jornal A Bola de 16-02-2010
Baltar Leite foi nomeado seleccionador do Kuwait depois de dois anos como treinador nacional da equipa absoluta. Enfrenta o desafio de colocar a natação no mapa mundial num país em que o desporto está limitado aos homens. Ciclo olímpico é objectivo. Acompanha tudo o que se passa em Portugal através da televisão e Internet.

- Está há dois anos num projecto aliciante no Médio Oriente. Qual o balanço do trabalho como seleccionador do Kuwait?
- O balanço é positivo. A nível de desenvolvimento do treino os nadadores adaptaram-se rapidamente à minha filosofia de trabalho, que se dirige fundamentalmente pelo rigor, exigência e disciplina, elevando pouco a pouco os níveis de rendimento. Naturalmente, apareceu um bom conjunto de resultados, com melhoria significativa das marcas pessoais e mesmo recordes nacionais. Obtivemos classificações surpreendentes para a natação do Kuwait em termos internacionais, das quais destaco o nadador Abdulah AlTuwaini, que em Dezembro de 2009 se sagrou campeão e recordista mundial escolar nos Jogos Mundiais realizados em Doha nos 100 livres e 50 e 100 costas. Em Julho de 2009 foi campeão nos Asiáticos da Juventude que decorreram em Singapura, nas provas de 50, 100 e 200 costas, e prata nos 100 livres.
- Em que ponto se encontra o desenvolvimento da natação?
- Em termos internacionais e no âmbito absoluto encontra-se na cauda da natação mundial, sem história e sem resultados, limitando-se apenas a participações esporádicas em Mundiais e Jogos Olímpicos. No quadro competitivo asiático tem participações com classificações interessantes, com nadadores nas finais e inclusive a obter medalhas.
- Em que direcções estabeleceu o plano de desenvolvimento da natação no país?
- Os primeiros meses após a minha chegada foram dedicados a tomar conhecimento e avaliar o ponto de situação da natação. Depressa conclui que estava organizada, mas não o suficiente para se chegar a resultados mais elevados. No centro nacional onde trabalho, os grupos de nadadores estavam bem distribuídos e organizados, mas com poucas rotinas de trabalho e pouca actividade competitiva internacional. Para o grupo absoluto, composto por 15 nadadores entre os 16 e os 26 anos, foram definidas de imediato novas estratégias de preparação e reajustado o quadro competitivo nacional e internacional. Em 2010 temos como competições principais os Jogos olímpicos da Juventude em Singapura (Agosto), Jogos Asiáticos em Guangzhou, na China (Novembro), e os Mundiais de piscina curta no Dubai (Dezembro). Estão definidas estratégias de preparação, que passam por dois estágios em altitude, um em Teerão que terminou recentemente, e outro em Julho na Serra Nevada, em Espanha.
- Em termos de infra-estruturas, quais são as condições?
- Existem cinco piscinas olímpicas de 10 pistas, de 50 por 25 m, com cuba de saltos, equipadas com cronometragem electrónica, ginásios e salas de fisioterapia, todas elas de projecto muito idêntico, entregues a clubes locais. A Selecção treina numa destas piscinas em local estratégico próximo das escolas e é composta por três grupos distintos, absoluto, júnior e juvenil. São cerca de 60 nadadores acompanhados por oito técnicos e dois fisioterapeutas, todos de diferentes nacionalidades, a trabalhar a tempo inteiro. O apoio médico é fornecido em clínica privada para desportistas. Nadadores, principalmente os mais novos, são transportados entre casa, piscina e escola em serviços especiais fornecidos pela Federação do Kuwait, alguns deles com motorista privativo.
- Kuwait foi banido de todas as provas internacionais desde 1 de Janeiro deste ano. Qual o futuro?
- Kuwait está proibido pelo COI de participar em provas internacionais em todas as modalidades desportivas. A todo o momento o parlamento kuwaitiano irá debruçar-se sobre esta questão, alterando a legislação em vigor, pelo que esta situação poderá ser rapidamente desbloqueada. Acredito que o poder político irá encontrar uma solução.
- Qual é a motivação para continuar a treinar?
- Continua a ser a mesma, ou ainda mais, devido à evolução positiva dos nadadores. Além disso, entidades governamentais ligadas ao desporto continuam a investir, não permitindo que todo o plano estratégico definido para as modalidades fosse interrompido. Continuamos a trabalhar normalmente, sendo exemplo disso a realização do estágio em Teerão e também contratação de dois técnicos, um deles o Vítor Oliveira, que já trabalhou comigo.
- Em termos culturais, como foi a adaptação ao Kuwait?
- No início da minha ida para o Kuwait foi um pouco difícil, principalmente por se tratar de uma sociedade com diferentes hábitos, usos e costumes, mas rapidamente entrei na rotina normal desta cidade. Por vezes até me esqueço que estou fora de Portugal, porque acompanho diariamente, através da televisão e da internet, todas as notícias. Sinto falta de alguns petiscos típicos da região norte de Portugal.
- É difícil desenvolver o trabalho num país em que o desporto está limitado aos homens?
- Não é difícil. Os nadadores estão habituados desde muito cedo a lidarem com esta situação. Pouco a pouco fui-me habituando a esta situação. No entanto, e por inúmeras razões, continuo a defender a presença de atletas de ambos os sexos nos diferentes grupos de trabalho.
- Quando irá terminar a sua presença no Kuwait?
- Como se costuma dizer, o futuro a Deus pertence... No entanto, o meu principal objectivo é realizar pelo menos um ciclo olímpico.