Fluvial Portuense à deriva

Texto de Nuno Filipe in Jornal O Jogo de 26-01-2010
São tempos muito difíceis, os que se vivem no Fluvial Portuense. Há cisões evidentes, e o recente reacender do conflito com a Câmara do Porto, que voltou a penhorar contas do clube devido a uma alegada dívida, hipotecou a gestão corrente. Água, gás e salários estão por pagar e a piscina foi encerrada. É o caos no terceiro mais antigo clube de Portugal (133 anos).

A crise do Fluvial, que começou por ser financeira, rapidamente se tornou institucional, e as movimentações para destituir o actual presidente da direcção, na assembleia geral do próximo dia 29, são visíveis e assumidas pelo próprio presidente da AG, Olímpio Magalhães.

Às muitas acusações que lhe fazem, de prepotência, falta de clareza na gestão e contas dúbias, Neto Dias responde em exclusivo a O JOGO. "Até há poucos dias tive o meu salário penhorado e todo o meu património em risco de ser vendido por ter avalizado dívidas do clube. Parte dele, salvei-a mesmo na véspera de ser vendida pelo tribunal. Acham que isto é de quem quer mal ao clube? Aliás", diz, sem se deter, "ainda sou credor do Fluvial, porque não têm conta as vezes que paguei, do meu bolso, água e gás para isto não encerrar. Mas perante o actual estado de coisas, não pago mais."

Sem esclarecer se estará presente na AG, ameaça "bater com a porta e quem vier que componha isto". "Só ainda não apresentei a demissão porque isso seria um acto de irresponsabilidade, quando tantas coisas importantes estão a ser negociadas. Ainda ontem estive reunido com a Câmara a tentar desbloquear as contas penhoradas."

Contas feitas, o clube deve, no dizer de Neto Dias, "700 mil euros da obra". Dúbios são os "quatrocentos e tal mil que a Câmara pede", relativamente aos quais diz estar "convicto" de que vai "ganhar em tribunal". Depois há "salários de quatro meses, água, gás e mais umas pequenas dívidas". "Mas o clube é mais do que viável se não o tentarem asfixiar com actos como o praticado pela Câmara", assume, deixando cair que para fazer face aos custos fixos mensais de "70 mil euros, as receitas não passam de 25 mil". Para dia 29, O JOGO sabe que se desenha a constituição de uma Comissão Administrativa que "tome as rédeas do clube e coloque termo a esta anarquia", conforme afirmou um dos possíveis membros dessa futura comissão. "Ninguém sabe quanto se deve, ninguém conhece as contas, ninguém, se não o presidente, tem sequer as chaves das portas!".

Onde param os 4 milhões?
Há cerca de um ano, o interesse do Corte Inglés em abrir um supermercado nos terrenos do clube surgiu como uma tábua de salvação. Aprovada em AG a alienação de uma parcela, entraram na tesouraria quase quatro milhões de euros, entregues a título de sinal pela promessa de aquisição por parte do grupo espanhol. Os vários sócios e pessoas interessadas pelo Fluvial com quem O JOGO falou são, porém, unânimes: ninguém conhece o contrato-promessa celebrado, e nunca o presidente informou se o dito sinal foi ou não entregue ao clube. Neto Dias responde: "A obra custou 12 milhões e, quando arrancámos, só tínhamos 5,5. Os quase quatro milhões foram para amortizar a dívida. E não chegaram."

"Se Neto Dias não sair, será empurrado"
Olímpio Magalhães, presidente da AG, que 'segurou' Neto Dias na última reunião de sócios, chegou ao limite: "Quando o presidente deixou de me atender o telefone, não me esclareceu sobre assunto nenhum e não respondeu ao apelo de arranjar gente que assumisse o Conselho Fiscal, percebi que tinha de convocar uma AG, de onde tem de sair uma comissão administrativa. Se Neto Dias não se demitir, vai ter de ser empurrado."

Penhora camarária hipoteca gestão
A crise fluvialista agudizou-se com a penhora das contas bancárias pela Câmara do Porto, pedida como garantia do pagamento de uma quantia de cerca de 300 mil euros devida, no entender da edilidade, pela falta de pagamento de taxas de loteamento (aquando da desanexação de parte dos terrenos fluvialistas, situados no local da antiga piscina), com os lotes a serem vendidos depois para construção, servindo de financiamento ao novo parque desportivo. O Fluvial deduziu oposição junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, porque, segundo o clube, não é líquido que o clube deva tal quantia. Porém, e em virtude de não ter prestado caução que garanta o pagamento camarário caso esta vença a contenda, a execução instaurada prosseguiu. Só que em vez de se ver garantida com outro património do clube (instalações, terrenos ou equipamentos), a Câmara portuense optou pela penhora das contas bancárias, atingindo assim o clube no seu coração impedindo a gestão corrente e asfixiando por completo a tesouraria. Segundo um sócio ouvido por O JOGO, "nada sucederia se não existisse uma política de hostilidade para com a Câmara e todos os que se relacionam com o clube".