Entrevista de A.F. in Jornal O Jogo de 22-12/2010Sara Oliveira somou mais uns pontinhos ao seu estatuto no Campeonato do Mundo de piscina curta, disputado no Dubai. Esteve melhor do que nunca nas provas - 50, 100 e 200 metros - da sua especialidade, a mariposa, e assim caíram três máximos nacionais. Abrilhantados com duas entradas em meias-finais. Por isso, a sua análise não surpreende: "O balanço é positivo. Cumpri o objectivo fixado a meio da época, após os Europeus. Tive umas férias curtinhas e traçámos objectivos a pensar alto. Os recordes foram planeados e bem conseguidos."
Depois disto, há quem a eleja, aos 25 anos, a melhor nadadora portuguesa de todos os tempos. Sara gosta da ideia, mas faz uma reflexão pertinente sobre a distinção: "Não me sinto com esse estatuto, porque é tudo muito rápido. Somos hoje e rapidamente deixamos de o ser. Já houve grandes nadadoras em Portugal, mas as pessoas olham sempre para as coisas mais próximas. Com estes resultados, aceito que me classifiquem assim e fico satisfeita."
A portista está a meio de um ciclo olímpico, entre Pequim'2008 e Londres'2012. Com as etapas bem balizadas: "A primeira oportunidade para tentar obter os mínimos será em Março. Queremos 'despachar' já este objectivo, até porque será diferente. São tempos que constituem, nos 100 e nos 200, recordes nacionais. Vai ser um trabalho árduo, e não vai ser fácil. Nos 100, estou a menos de duas décimas e, aos 200, a cerca de um segundo e meio."
Após mais duas épocas, há um grande objectivo a alcançar: "Quero fazer mais nestes Jogos do que fiz nos outros. Em Pequim, bati os recordes nacionais, mas agora quero entrar nas meias-finais, que é algo nunca alcançado pela natação feminina portuguesa. É por isso que vou lutar."
Recorda o passado e, lucidamente, opta por não fazer planos. "Não pensava, há anos, chegar até aqui, mas a natação mudou muito. Aos 18 anos, quis abandonar. Depois fui para o Brasil em quando disse que já estava velha para isto, o treinador do meu clube de lá riu-se e mostrou-me mulheres mais velhas, de 28 e 30 anos, casadas e com filhos, a fazerem bons resultados. Aprendi que ainda tinha mais anos pela frente e que podia evoluir."
Até quando? Sara Oliveira dará essa resposta a curto prazo.
"É preciso recusarmos tanta coisa bonita"
Sara Oliveira consegue ser melhor lá fora do que cá dentro. Eis a explicação: " Quando era jovem, isto não acontecia. Ficava frustrada e lembro-me que um Europeu de juniores me correu tão mal que cheguei a pensar em não voltar a competir lá fora. Ganhei maturidade. A nível internacional, a parte psicológica é fundamental. Temos de ficar calmos e concentrados e abdicar de tanta coisa bonita e que nos é oferecida, como passeios e cabeleireiros, até ao dia da prova. Depois, sim, há que aproveitar todas essas coisas."
"Não quero lá voltar"
Sara Oliveira veio satisfeita com o aspecto desportivo, mas revoltada com aspectos "culturais" do mundo árabe: "Já tinha feito um estágio no Kuwait e não me senti a pessoa mais bem aceite do mundo. Só podia ir à piscina numa hora em que a equipa de pólo aquático acabava o treino. Começava a tirar a roupa e não me sentia nada bem." A nadadora revela perplexidade por vários factos: "Acho estranho que este estágio tenha sido realizado no Kuwait, porque o xeque ofereceu condições à nossa Selecção. Como é que oferecem tanta coisa e depois bloqueiam tanta coisa às mulheres? Se as mulheres daquele país não podem fazer desporto, porque é que fazem ofertas a uma selecção que inclui mulheres?" Sara rematou sem papas na língua: "Não me senti nada bem. Era a única rapariga na equipa e motivo de brincadeira. Não perceberam que, sendo mulher naquele país, sou maltratada. Já me custava ver muitas mulheres escondidas e maltratadas. Não gostava muito de lá voltar."
O FC Porto, as colegas de equipa e Marta Marinho
Pouco antes de rumar ao Mundial, Sara Oliveira esteve ao lado das colegas de clube para a conquista de mais um título nacional colectivo. Uma equipa que lhe merece todos os elogios: " A equipa está cada vez mais forte e mais unida. É a melhor equipa de sempre, e espero que o vá ser para muitos anos. Criaram-se laços muito fortes, em amizade e resultados desportivos, e como eles apareceram, nós continuamos a evoluir e a equipa vai-se manter, porque nenhuma desanima ou se desmotiva. Puxamos umas pelas outras. Apesar de a natação ser um desporto individual, é preciso ter companhia para treinar ao mais alto nível, e nós conseguimos criar isso no FC Porto." Quanto à nova coqueluche portista, Marta Marinho, a número um do clube já não tem dúvidas quanto ao seu valor: "Vejo um óptimo futuro para ela a nível internacional, porque tem uma enorme força de vontade para ser cada vez melhor. É essencial não ter medo de querer sempre mais. Ela vai ser olímpica e irá alcançar grandes resultados."
"Faz falta para captação"
A sempre recordada piscina que o FC Porto não possui foi evocada por Sara Oliveira: "A equipa tem as melhores condições do País para treino, numa piscina de 50 metros. Faltam as escolinhas, onde eu nasci. Falta uma piscina no FC Porto para haver natação para todos, e o clube deixou de ter o local para captar os futuros campeões."
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