Qual a importância do desenvolvimento das competências na formação do nadador? in site PORTINADO
Esperar que o resultado desportivo surja preferencialmente pelo natural desenvolvimento das competências fundamentais à alta competição, ou, pelo progresso das capacidades funcionais do atleta!
Foi a partir desta reflexão, que há alguns anos atrás, decidi, como responsável técnico da Portinado, lançar um novo desafio interno no clube, que passava por implementar uma nova filosofia de trabalho. Esta nova perspectiva, pretendeu essencialmente, que a formação dos nadadores fosse feita preferencialmente através de uma abordagem sistemática, que visasse desenvolver determinadas competências, que julgo serem fundamentais na natação de alta competição, em detrimento de um desenvolvimento desportivo focado preferencialmente no progresso das capacidades funcionais dos atletas.
Este novo caminho que procurei traçar em colaboração com os meus colegas do clube, contraria certamente muito do que a sociedade nos vem exigindo há muito tempo, quer seja a nível profissional, escolar, ou neste caso particular, desportivamente.
O importante na nossa sociedade é quase sempre o resultado e, raramente se refletem o necessário sobre os meios utilizados para o atingir, por serem estes, doutrinas com bases ciêntificas que não ousamos contestar.
Quando triunfamos, poucos são os que se questionam sobre o que foi realizado para consegui-lo. Mas quando não temos sucesso, muito facilmente se coloca em causa o processo de treino e os seus respetivos responsáveis.
Ninguém terá dúvidas que o sucesso de hoje não garante por si só, o sucesso maior de amanhã. Muitos do que vencem hoje, sobretudo nos escalões mais jovens, não conseguirão por certo triunfar no futuro.
Formar nadadores através das competências, requer mais tempo. Exige também, mais paciência de todos os intervenientes no processo de treino, maior individualização do trabalho, maior concentração por parte do atleta nas tarefas e, sobretudo, maior intervenção do treinador em todo o processo desportivo.
Desenvolver nadadores através das competências, anula possíveis vedetismos exacerbados e, leva a que não sejam valorizadas as vitórias que não estejam sustentadas pela assimilação e domínio das competências fundamentais na natação de alto rendimento.
Não quero com isto afirmar, que não gostamos de ter resultados. Não estamos é agarrados a eles. Não temos qualquer preocupação se os nossos nadadores infantis e juvenis não conseguem estar nos Nacionais. Preocupamo-nos sim, se com o passar do tempo as competências que os nadadores deveriam apresentar em competição, permanecem inalteradas.
No entanto, também gostamos de triunfar como todos os outros. Quando isso sucede, e desde que respeitados estes principios, ficamos muito mais orgulhosos, pois sabemos que os nossos objetivos estão a ser cumpridos e que o que pretendemos atingir, segue o seu percurso natural.
Compreendo que estas ideias, nem sempre têm sido devidamente compreendidas e aceites pelos pais e pelos próprios atletas do meu clube. Sei também, que tudo gira em torno dos resultados e que a grande maioria das pessoas olha quase sempre para o resultado, como sendo o primeiro e único objetivo do processo desportivo.
Numa primeira fase da carreira do atleta, são os resultados para chegar aos campeonatos regionais. Depois, vêm os resultados para atingir os Zonais, de seguida os apetecidos TAC´s Nacionais e por fim, e para alguns, surjem os resultados para chegar ao mínimo Europeu, Mundial, ou até mesmo, aos Jogos Olímpicos. Para além destes, temos ainda resultados inerentes às rotinas de treino, designadamente, o resultado necessário para cumprir determinada série à intensidade pretendida, sem falhar a saída estipulada.
Tudo o que referi anteriormente, leva no meu entender à interiorização de uma cultura nos nossos atletas baseada apenas no resultado, e pouco ou nada orientada para as competências necessárias para chegar ao mesmo.
Quando tudo se focaliza únicamente para o resultado, que espaço resta para o atleta pensar e concentrar-se em desenvolver as competências?
Que atenção conseguem prestar os atletas para as capacidades durante as tarefas de treino, quando tudo aquilo em que estão envolvidos, que ambicionam e que todos esperam deles, são sobretudo tempos, ou resultados?Quando me refiro a competências, considero como sendo as capacidades de aplicar em determinadas situações, diferentes conhecimentos e habilidades que foram trabalhados e sistematizados ao longo de muito tempo, de maneira integral e em diferentes interações, quer sejam ao nível pessoal, social, laboral, ou no próprio desempenho desportivo.
Francisco Javier Vasquez Valério, defende que as competências são conhecimentos coesos e dinâmicos, habilidades, atitudes e valores, que estão ativos num desempenho responsável e eficaz de atividades diárias, dentro de um determinado contexto.
Quando falo em competências na área da natação, surge de imediato uma lista interminável.
Deste modo, procurarei mencionar algumas das competências que penso serem determinantes para o sucesso desportivo e que no meu entender, o nadador deverá procurar desenvolver e sistematizar em cada dia. São elas:
1. Competências humanas: Responsabilidade, humildade, pontualidade, relacionamento positivo com os colegas e treinadores, assíduidade nos treinos, organização eficaz da vida pessoal, prioridades bem definidas e escalonadas, rotinas de vida ajustadas a um atleta de competição (designadamente, horas adequadas de repouso, alimentação correta, etc.), capacidade de concentração no trabalho e de sistematização dos modelos técnicos, capacidade de trabalhar de forma autónoma, etc.
2. Competências técnicas/competitivas: Dominio das técnicas de partida e das técnicas subaquáticas. Dominio das técnicas de nado distancial, das viragens e das técnicas de chegada competitiva. Domínio das frequências de nado adequadas a cada prova e especialidade, domínio das técnicas respiratórias, etc.
3. Competencias físicas e volitivas: Capacidades físicas e funcionais devidamente desenvolvidas, como a força, resistência, velocidade, agilidade e a flexibilidade. Capacidade de realizar qualquer trabalho físico com a qualidade desejável. Capacidade de abordar os treinos e as competições de forma adequada, designadamente, dominio da técnica de visualização e de outras técnicas de controlo da ansiedade, etc.
Quando pretendo atribuir uma importância acrescida ao treino das competências, não quero com isso menosprezar o trabalho exigente, rigoroso e disciplinado que é praticado pela maioria dos técnicos de natação em Portugal. Nem tão pouco, pretendo minimizar a importância das metodologias de treino suportadas por estudos ciêntificos amplamente reconhecidos pela comunidade internacional.
Ao invés, pretendo sobretudo que os atletas e técnicos do meu clube não percam o enfoque no essencial, que são as competências fundamentais para a excelência desportiva. O desenvolvimento das competências é que se traduzirá num melhor resultado. Cada competência melhorada, terá que se traduzir obrigatóriamente numa melhoria do resultado em competição.
Nesta ótica, quantas mais competências o atleta melhorar nos treinos, melhor será o seu resultado final em competição. É através deste principio que o nadador e os técnicos deverão trabalhar e orientar o seu percurso desportivo, ao longo das diferentes etapas de treino.
Defendo assim, que para os escalões mais novos (cadetes e infantis) os treinadores não deverão utilizar cronómetro. Deverão apenas utilizar a observação direta, as filmagens, testes de eficácia de nado e outras estratégias que sejam adequadas, sem esquecer os reforços e as correções necessárias para o desenvolvimento das referidas competências.
Defendo também, que a análise das competições, nestas idades, deverá focar essencialmente a avaliação da execução das competências trabalhadas nos treinos nas semanas anteriores e, pouco ou nada no registo efetuado. O importante será não desviar a atenção para o que julgo ser o menos importante do processo.
À medida que as competências vão sendo assimiladas pelos atletas é natural que surjam novos desafios e objetivos no treino, que no meu entender deverão continuar a passar sempre pelo aperfeiçoamento contínuo das competências já adquiridas.
Decorridos alguns anos de termos implementado estes princípios no clube, continuamos a registar que não é fácil a todos os pais e atletas, aceitarem estas ideias.
Quando o nadador não consegue o mínimo para a competição nacional, surjem por vezes crises - “É que os nadadores dos clubes adversários nadam todos mais rápido, têm muito mais nadadores nas provas nacionais, ganham muito mais medalhas nas provas, etc.”
Mas será que esses nadadores dominam as competências fundamentais para os resultados de excelência que se pretendem para o futuro? Ou são apenas o resultado de um desenvolvimento precoce das capacidades funcionais?O ideal seria conseguir-se que os atletas dominasssem tantas mais competências, quanto mais jovens são. No entanto, pelas suas particularidades psicofisiológicas, algumas das competências terão que ser trabalhadas e adquiridas apenas em fases mais avançadas da sua carreira desportiva.
Hoje, acredito mais do que nunca no resultado desta cultura de desenvolvimento desportivo. A experiência resultante do trabalho realizado, leva-me a reconhecer que, e apesar das novas dúvidas que todos os dias me assombram, o caminho que estamos a percorrer é o que julgamos ser mais correto.
Por outro lado, o percurso dos meus nadadores nestes últimos anos reforçam estas minhas convicções. A título de exemplo, poderei indicar alguns casos que sustentam esta ideia:
- O Alexandre Agostinho participou pela primeira vez num campeonato Nacional no último ano de Juvenil, depois de largos anos de prática regular. Hoje é o melhor velocista Nacional de todos os tempos, sendo detentor dos recordes Nacionais dos 50 e 100 livres em piscina curta e longa.
- O João Viola iniciou o seu processo de treino apenas com 16 anos, tendo apenas dois anos depois conseguido marcar presença regular em provas Nacionais. Efectuaria mesmo uma das melhores marcas de sempre aos 50 bruços.
- A Helyana Moitalta nunca participou numa competição Nacional até ao escalão de júnior, tendo após esse momento marcado sempre presença nestas competições, até ao seu afastamento dos treinos por razões de saúde.
- Mais recentemente, o nadador Manuel Farinha que até juvenil nunca conseguiu qualquer mínimos para provas nacionais, efectuou muito recentemente uma marca muito interessante aos 100 livres, e os mínimos para os campeonatos de júniores.
- Por último, refiro o Miguel Nascimento que traduz o exemplo da assimilação da cultura que pretendemos atingir quando implementamos o novo modelo de trabalho. Este atleta esteve desde cedo nos Campeonatos Nacionais de infantis, tendo sido medalhado numa prova nos Nacionais de infantis A (200 costas). Enquanto juvenil B, foi medalhado em duas provas (100 e 200 costas). Nos Nacionais de juvenis A foi medalhado por 4 vezes (100 e 200 costas, 100 e 200 mariposa) e, muito recentemente, nos Multinations realizados em Coimbra, efetuou o mínimo para os Campeonatos da Europa de júniores.
Paulo Costa – diretor técnico da Portinado