Entrevista realizada pelo Beba Água (BA) no dia 12/12/2006 a David Realista Grachat (DG) e Leila Susana Noronha Velosa Marques (LM) que estiveram na semana passada em Durban, África do Sul nos Campeonatos do Mundo de Natação Adaptada.
Leila Marques de 25 anos, 1m62, 56kg, tem malformação congénita do antebraço direito e é nadadora da GesLoures desde os 12 anos. Acabou a licenciatura em medicina em 2004 e actualmente está a tirar a especialidade de medicina geral e familiar no Centro de Saúde de Odivelas. Já esteve presente nos Jogos Parolímpicos de Atenas 2004 e na semana passada esteve em destaque em Durban com a conquista de duas medalhas: Bronze nos 100Bruços e Prata na Estafeta 4x50Estilos.
David Grachat de 19 anos, 1m90, 74kg, tem malformação congénita da mão esquerda e é nadador da GesLoures desde os 5 anos. Actualmente cursa no 12º ano na área científica na Escola Secundária de Sâo João da Talha. Já tinha representado a selecção nacional, mas esta foi a sua estreia numa grande competição. De Durban trouxe 4 novos recordes da Europa nos 50L e 100L.
BA: Só para começar… já conhecem o meu blog? O Beba ÁguaDG: Claro, sempre que venho a net vou lá! (risos) Descobri o blog no Verão logo nas primeiras travessias. Depois disse a Leila para ir lá porque era muito fixe.LM: Só tomei conhecimento este ano, no verão. Desde então tenho sempre a curiosidade de espreitar. Quem me falou sobre a sua existência a foi o David.
BA: Qual a vossa opinião geral? Já sei que tenho falado pouco sobre a Natação Adaptada, mas vamos tentar mudar isso aos poucos.LM: Considero que é um blog a ter em conta no que diz respeito à natação. Está sempre actualizado, versando sobres os temais mais actuais da natação e sempre com opiniões muito pertinentes. Tendo em conta que já passou a ser um blog de referência considero que a natação adaptada ficaria a ganhar se fosse abordada sempre que se justificasse.
DG: Na minha opinião acho que esta muito bem estruturado, tem actualização de tudo o que se esta a passar e ainda dá para comentar o que e muito bom. Não fala muito de natação adaptada mas este ano já se falou um pouco mais devido às travessias penso eu!BA: Leram aqui os vossos nomes aquando das boas participações no Challenge (David 3º e Leila 8ª) e Sesimbra (David 5º e Leila 4ª)? Como vêem a vossa participação em provas com atletas sem deficiências?LM: Peço desculpa mas eu acho que fiquei um pouco melhor classificada do que 8º, pelo que me lembro, terá sido 6º? É sempre um estímulo para mim participar num evento com os atletas ditos normais. À partida estamos em desvantagem e é muito gratificante quando conseguimos obter uma boa classificação.
DG: Foi o meu melhor momento visto que consegui estes resultados nestas competições foram muito bom estar entre os 10 primeiros nestas provas o que me deixou boas expectativas para as águas abertas do campeonato do mundo. Também me deixou vontade de trabalhar para estar entre os ditos "normais" em provas regionais e nacionais. É um objectivo para o próximo ano.LM: Em Portugal o grande problema da natação adaptada é o reduzido número de participantes nas provas. Ao poder participar nas provas com os atletas ditos normais também acabo por ganhar mais experiência em saber como encarar os adversários e lidar com as adversidades.
BA: Em média quantas sessões treinam por semana? Sessões de quantos km/duração?
LM: Nunca treinámos tanto quanto esta época. Fizemos 11 treinos por semana e nas semanas mais duras fizemos 60Km/semana. Além disso ainda realizámos 4 sessões de ginásio por semana.
DG: Temos picos diferentes, umas semanas de 45km outras de 60km.LM: Não sei a opinião do David mas quanto a mim foi uma época muito dura mas sem todo este trabalho seria impossível alcançar estes bons resultados. A natação adaptada atingiu um nível impressionante mundialmente. Só como exemplo, há atletas sem um braço a fazerem 57s aos 100 livres. Só treinando muito é que se consegue chegar a uma final.
DG: Esta época foi a que trabalhei mais! Isso é verdade.
BA: Sendo atletas amputados, qual é vossa maior dificuldade no treino?
DG: Não temos dificuldades. Esta e a minha opinião e também deve ser a da Leila. No princípio deste ano treinei com a equipa absoluta da GesLoures e conseguia aguentar o ritmo. Se tivesse dificuldades não teria feito aqueles resultados nas travessias.
LM: O mais difícil é em termos de equilíbrio da técnica porque acabo sempre por fazer mais tracção na água com o lado esquerdo do corpo do que o direito. Isto resolve-se com umas pernas muito fortes e daqui que no treino tenha que ter atenção especial no trabalho de pernas.
BA: Com essa carga de treinos e o tempo que a competição toma, como é que organizam o vosso dia a dia?
DG: É muito difícil mas quem corre por gosto não cansa.LM: Não é de todo fácil. É preciso bastante sacrifício para conciliar o meu trabalho com os treinos. Acabo muitas vezes por abdicar de estar mais tempo com aqueles de quem gosto, especialmente a minha família. Por não ter tempo, acabo também por não descansar e dormir o que devia. Mas é como o David diz... quem corre por gosto....
BA: Leila – Como concilias os treinos com a especialidade de medicina que estás a estudar? Não deve ser mesmo nada fácil! Até quando é que te vês a nadar?
LM: O que tento sempre fazer é estabelecer prioridades. Sempre que tenho um evento desportivo a aproximar-se tento investir mais na natação. Sempre que tenho que prestar provas em relação à medicina, quer seja um exame ou ter que participar num congresso tento disponibilizar mais horas para o trabalho e estudo. Não sei quando vou parar de nadar. O que sei neste momento, é que não me vejo a deixar fazer uma das minhas 2 paixões (natação e medicina). Não consigo viver sem uma deles por agora.
BA: Relativamente à participação portuguesa neste Mundial de Durban, qual a vossa análise global?DG: Esta foi a minha primeira vez e para mim foi de sonho. Mas ninguém melhor que a Leila para responder a essa questão visto que já foi a muitos mundiais.LM: Considero que foi fantástica. Todos se empenharam bastante no sentido de obter bons resultados e de manter um óptimo espírito de grupo. Pelo que sei este foi de sempre a melhor participação de uma selecção portuguesa de natação adaptada. E acima de tudo considero que os atletas mais novos e com menos experiência mostraram uma responsabilidade e maturidade de louvar. Todos eles têm o meu respeito.
BA: David – Qual foi a tua impressão e sensação relativamente a esta primeira participação num Campeonato Mundial? Algum episódio que te marcou?DG: Bom, foi uma sensação muito mas muito boa quando tanto de manhã como de tarde olhava para o placar electrónico e via que era recorde da Europa. Mas também tive a tristeza de ficar muito perto do pódio e não o pisar. Houve inúmeros episódios marcantes, desde ouvir o hino nacional por parte da excelente prova da Diana Guimarães e na estafeta nos 4x50 estilos aquele final, como todos a gritar por Portugal. Foi de arrepiar. Ainda de referir a excelente recepção da comunidade portuguesa residente em Durban.
BA: David – Sentis-te a pressão? Isso afectou-te os resultados?
DG: Nadei os 100mariposa em primeiro lugar para retirar um pouco dessa pressão nas minhas provas principais. Não digo que tivesse afectado os resultados, eu com a minha inexperiência em competições deste nível demonstrei que já não sou mais o miúdo que nadava a dizer adeus aos pais que estavam na bancada. Nas eliminatórias corri o risco de não ir à final pois não dei o máximo e até comentei isso com o meu treinador. Depois nas finais apenas melhorava o tempo por centésimos.
BA: David – Como foi o misto de alegria ao realizar 4 vezes tempos que valeram recordes da Europa e a tristeza de não chegar uma vez ao pódio? Ou preferiste deixar essa 2ª parte para Pequim 2008?DG: Este ano foi um ano em que os chineses se apresentaram muito bem tendo em conta os jogos de 2008. Eles estão muito fortes e eu tentei tudo por tudo para ir ao pódio, mas não deu. Foi pena. Mas em Pequim espero ir por varias vezes ao pódio e quem sabe bater o recorde do mundo. Eu disse para mim mesmo depois disto que este ano ia treinar mais do que o ano passado. Espero chegar lá e arrasar com eles todos. O meu objectivo em Pequim é fazer 55s aos 100Livres.BA: Leila – Obtiveste uma medalha individual e outra colectiva. Qual foi a mais saborosa?
LM: Trabalhei a época inteira para a prova de 100bruços de maneira que a sensação de ter obtido a medalha de bronze foi muito reconfortante. Obtive esse mesmo lugar há 4 anos atrás no campeonato do mundo da Argentina e fiquei muito feliz quando voltei a conquistar a mesma posição. Por outro lado, competir em equipa e por Portugal, faz ter outro espírito no momento da competição e da celebração. Foram as duas muito saborosas.
BA: Leila – O espírito da selecção é realmente fundamental. Após a renovação agora feita com vista a Pequim 2008, esse espírito mantém-se? Foi reforçado?LM: Sem duvida que foi. A certa altura a selecção de natação adaptada estava a ficar "velha" e assustava-me o facto de não aparecerem nadadores mais novos. De repente veio uma lufada e ar fresco, com muitos nadadores cheios de energia e vontade de vencer.
BA: Leila – Achas que a falta de apoio financeiro ao nível de bolsa de alta competição pode condicionar a preparação da selecção para Pequim 2008?LM: Vai condicionar com toda a certeza. Os apoios são muito reduzidos e como tal não é fácil preparar a época desportiva. Por falta de verbas não podemos participar em tanto eventos internacionais quanto os desejados. Ao não podermos participar não adquirimos a rotatividade e a experiência que é necessária para participar num Campeonato do Mundo ou em Jogos Parolímpicos. Acabamos sempre por chegar ao evento principal da época com muito menos experiência que todos os outros atletas e isso no final acaba também por fazer a diferença.
BA: Em Pequim 2008, na vossa opinião e observando cuidadosamente os resultados deste Mundial, podemos afirmar que as 3 medalhas de Atenas vão ser superadas?LM: Espero que sim. Tenho certeza que só com muito trabalho se poderá superar esse resultado. Os mais experientes vão lutar pelas medalhas mas as novas esperanças da natação adaptada vão dar cartas nos jogos de Pequim, nomeadamente o David (apesar de já não ser considerado esperança pois já mostrou que vale muito)
DG: Vão com toda a certeza. A meu ver esta equipa está muito motivada, não quer dizer que a outra não estivesse, mas a diferença e que as classes altas estão a melhorar cada vez mais em Portugal. E mesmo nas classes mais baixas já há muito equilíbrio. Eu sou novo e tenho o espírito e vontade de vencer, espero que tudo corra bem.
BA: Ambos são atletas da GesLoures, achas que em geral existe falta de apoio de clubes na natação adaptada? Porquê?LM: A Gesloures é a referência no que diz respeito a natação adaptada. Disponibiliza todas as verbas necessárias para competições a nível nacional, tem uma piscina com todas as condições necessárias a uma pessoa portadora de deficiência. Mas mais importante que tudo é o facto de a Gesloures disponibilizar um treinador com uma formação em treino de alto rendimento pela FPN. Temos a a preparação ideal em termos desportivos e o facto desse treinador apenas estar com a nossa equipa facilita o conciliar de horários. De há alguns anos para cá houve melhorias, mas as mentalidades levam tempo a ser mudadas. A maioria dos clubes de natação ainda não encara a natação adaptada como um desporto de alto rendimento
DG: A Gesloures apoia-nos muito, sempre fomos bem tratados! Agora cada vez mais há equipas com a natação adaptada com miúdos novos mas como os apoios não são muitos aparecem nuns campeonato mas no seguinte já não, o que é uma pena.BA: Como é vêem que é sentido/reconhecido o vosso mérito no meio da família da natação? Achas que a iniciativa do Beba Água em parceria com o Blog Natação Adaptada, pode ajudar?
LM: Treinamos diariamente com alguns clubes no Jamor e esses ao verem o nosso trabalho desenvolvido ao longo da época respeitam-nos muito enquanto nadadores. Ao surgirmos nas provas dos atletas ditos normais, nomeadamente nas travessias, também damos a conhecer o nosso valor e isso ajuda bastante. Mas há ainda um grande número de pessoas que desvalorizam o nosso empenho e valor. Iniciativas como esta vão ajudar a mostrar o que é a natação adaptada e como esta já se transformou também num desporto de elite.
DG: Por exemplo, hoje vi o teu trabalho e o do Nuno Vitorino e acho que esta muito bom. Depois li os comments que deixaram nesse post e fiquei feliz, pois vejo que fomos reconhecidos por treinadores, atletas e dirigentes da natação. Também fico contente por ver a ajuda do teu blog e do blog do Nuno Vitorino para que qualquer dia a nossa modalidade seja reconhecida por todos.BA: Esqueci-me de alguma coisa? Querem acrescentar algo? Deixar alguma palavra de apreço a quem vos apoia…LM: Agradeço a todos aqueles que nos apoiam mas acima de tudo quero deixar o convite a toda a família da natação a aparecerem na piscina aquando da realização dos nossos campeonatos. Vão ficar surpreendidos com a capacidade que o ser humano tem em lidar com as adversidades e vão poder desfrutar de um espectáculo. No final o desporto de alta competição move multidões por se tratar disso mesmo, um espectáculo. Obrigada ao Beba Água por nos apoiar e ajudar a divulgar a nossa causa.
DG: Eu queria agradecer todo o apoio que nos deste e por proporcionares esta entrevista. Espero que pessoas com deficiência e que gostem de natação que comecem a aparecer em treinos e em competições porque nós estamos cá para bem receber! Queria ainda dar um GRANDE OBRIGADO ao meu treinador Carlos Mota e à minha colega Leila Marques porque sem eles com toda a certeza não estava entre os melhores do mundo! E ainda uma palavra de agradecimento ao BA e ao Nuno Vitorino pois realizaram um excelente trabalho.
BA: Obrigado pelo tempo e Parabéns por tudo! Beijos e Abraços
LM: Obrigada eu. Estou curiosa por ver os comentários....
DG: Ok. Um abraço e muito obrigado.