
Entrevista realizada pelo Beba Água (BA) no dia 20/05/2006 a Pedro Vale (PV). Tem 53 anos e é treinador do Clube Naval Setubalense desde 85/86. É Licenciado em Educação Física e pós-graduado em treino de alto rendimento de natação sempre pelo ISEF/FMH. Foi ainda membro da Direcção da Associação Portuguesa de Técnicos de Natação (APTN) entre 1994 e 2004.
BA: Antes de mais, uma palavra de agradecimento por ser o primeiro técnico a dar uma entrevista para o blog.PV: Alguém havia de ser o 1º.
BA: É visitante assíduo do blog? Onde pode melhorar?
PV: Não sou muito assíduo. Só lá fui 2 ou 3 vezes, por curiosidade, porque os meus nadadores me informaram. Das vezes que lá fui achei giro, muita gente a dar opiniões (nadadores). Mas ainda não posso dar uma opinião bem formada. Tenho que consultar mais vezes.
BA: O Clube Naval Setubalense é uma colectividade com grande tradição na natação portuguesa. Neste momento, em termos colectivos, passa por um período de menor fulgor. Como avalia a situação actual?PV: È uma equipa jovem que estou convencido que para o ano vai voltar à 2ª Divisão. A equipa Feminina também está a crescer. Dentro de 2 anos o trabalho que está a ser feito nos escalões mais novos irá com certeza dar frutos. Mas a situação a nível geral não está fácil. Principalmente quando há alguma crise de valores. Hoje em dia os nossos jovens têm a vida muito facilitada, e não é fácil motivá-los para os sacrifícios do treino. E também há muita gente sem paciência
BA: Mas como vai ser para o ano, subir à 2ª e 3ª com as equipas masculinas e femininas é objectivo ou obrigação?PV: Aqui nada é obrigação. Da análise que eu fiz e do que temos trabalhado este ano, para o ano se tudo correr normalmente tenho quase a certeza que isso irá acontecer. Há muitas contingências que não conseguimos controlar, mas se nada de contrário acontecer vamos lá. Os clubes estão muito dependentes dos talentos que aparecem ou não. Há gerações boas e outras menos boas. Não se podem fazer omoletas sem ovos. Mas com estes ovos que agora tenho acho que vou fazer uma boa omoleta.
BA: Curiosamente, ao longo dos anos, o CNS tem sido um clube que tem feito surgir atletas de destaque nos escalões de formação, que mais cedo ou mais tarde optam por dar continuidade à sua carreira noutros Clubes. Assim foi com as irmãs Rita e Raquel Anjos, com o Filipe Rosa, e mais recentemente com o Tiago Venâncio... Para quando a fixação dos principais valores do Clube, concretizando a sua carreira?PV: Todos menos o último foram por situação académica. Mas para mim e para a minha realização pessoal o que interessa é que uns vão e outros aparecem, sinal de que o que aqui se faz dá fruto. E se formos analisar os resultados ainda ninguém fez melhor depois de daqui sair. Isto sem qualquer ponta de ressentimento nem que seja esse o meu desejo. Já tenho nadadores que se vão aqui fixando porque optaram por estudar em Setúbal até para prolongarem a sua carreira na natação – Pedro Varela, Daniel Leitão e o próprio Filipe Rosa que na época passada ainda fez uma perninha. A nível Nacional também não se têm visto grandes prolongamentos na carreira de nadadores em comparação com o que acontece lá fora, excepto o Laurentino e agora o Simão.
BA: Ficou magoado com a atitude do Tiago, quando este abandonou o clube e o técnico, no último terço da época?PV: No ultimo terço não, no ultimo mês! Quem não ficaria. Não tenho palavras para descrever a … nem vale a pena classificar.
BA: E existia de facto assédio e pressão por parte do Palmela e do técnico Brito Rosa, no sentido de forçar à saída do Tiago, ou foi algo que aconteceu naturalmente?PV: Nada foi natural. O assédio foi feito com promessas de ordenados, mas tudo feito nas minhas costas. Eu só soube mais tarde.
BA: Como tem visto a performance dele, daí para cá?PV: Não vou emitir qualquer opinião. Os números falam por si. Arranjaram uma boa desculpa com a dita lesão pondo em cheque a federação e têm vivido á sombra dessa desculpa
BA: Na sua opinião, o Tiago tem potencialidades para ser um atleta de referência, entre a nata do topo mundial?PV: Para mim o Tiago era o nadador português que mais potencial tinha para chegar a uma final olímpica e uma vez lá, se não acusasse a pressão, não sei não se não nos daria uma alegria a todos.
BA: Compreendo, também vejo as coisas assim. E não devemos ser os únicos...PV: Muitos treinadores de renome mundial que o viram nadar e que eu tive o privilégio de trocar impressões são da mesma opinião. Tem tudo a seu favor. Altura, envergadura, força, garra e espírito de vitória. Tem arestas para limar, mas só quem o conhece... Infelizmente para ele agora não tem uma orientação à sua altura, como toda a gente sabe e diz.
BA: Tal como o Tiago a Diana Gomes também passou por problemas e trocou de clube e treinador. Coincidência ou sina?PV: A Diana trocou de treinador mas porque os pais quiseram que ela mudasse de clube por não concordarem com o que o ABVE estava a fazer. Foi uma situação diferente. Em termos de sina realmente apesar das situações serem diferentes eu e o meu querido amigo Teixeira perdemos os nossos melhores nadadores de sempre. Mas para mim quando as coisas acontecem naturalmente, tudo bem, amigos como dantes. No meu caso não!
BA: Voltando ao CNS... Nos últimos 10 anos, as grandes referências do Clube têm sido quase exclusivamente no sector masculino. Há alguma explicação particular para esse facto?
PV: Houve realmente uma grande crise no sector feminino. Mas agora as coisas estão a equilibrar e penso que vão melhorar. Houve sim uma série de coincidências que contribuíram para que isso acontecesse. Crise de valores, mudanças de residência, mudanças de locais de estudo (caso das manas Vilar e da Filipa que foi para Moçambique) e de outras duas nadadoras que por motivos de saúde tiveram que abandonar. Uma era vice campeã nacional juvenil nos 100 e 200 bruços e a outra vice campeã nacional nos 100 livres A Cátia Oliveira e a Helena Raposeiro. Foram muitas coincidências em simultâneo, aliado a não aparecer ninguém nas camadas mais novas, passamos também pela crise da piscina, pois a nossa era velha e os pais metiam as crianças nas piscinas novas de Palmela, Azeitão e outra em Setúbal embora pequena. Só em 2001, quando tivemos a piscina nova as pessoas começaram a regressar a Setúbal.
BA: Até ao fim da época ainda vai haver alguma surpresa? Ninguém sonha com o Europeu de juniores?
PV: O Ricardo Varela e o Diogo Barbosa. Vamos lá ver. Vai ser difícil, mas eles estão motivados. O Ricardo agora teve um problema numa mão, pois caiu e tem tido algumas limitações a nível do treino. Mas aqui o problema também é da Federação que pouco faz por estes segundos planos. As selecções são sempre para os mesmos. Enquanto uns vão a todas e às vezes passam mais tempo em digressões do que a treinar. Os outros não vão a lado nenhum acabando alguns por perder a motivação. Noutros países levam-se selecções de 1ª, 2ª e 3ª categorias a diferentes provas. Mas aqui é sempre a mesma desculpa do dinheiro. Somos um país de banda desenhada mas com altos objectivos a médio e longo prazo. Não temos é quem planifique com certeza de saber o que está a fazer. Sempre pela falta de dinheiro.
BA: E no futuro, teremos? É que actualmente temos uma vaga de "novos" técnicos cheios de força na guelra… mas será que lhes deixam chegar lá?PV: Penso que vai ser difícil. Temos muitos e bons Técnicos. Neste momento o que eu penso é que se não fizermos como os melhores não podemos aspirar a nada. Não é fazer previsões para grandes resultados e depois não darmos as condições às pessoas para trabalhar para os alcançar. Além disso isto é um “raio” de uma modalidade em que é necessário trabalhar muito para obter bons resultados, e muitas vezes os nossos melhores nadadores, pensam que já treinaram muito, e que com facilidade fazem grandes tempos. Da minha experiência, acho que em termos de treino, nunca por nunca devemos ficar a viver de um ou outro resultado de maior realce. Temos que trabalhar sempre mais se queremos andar entre os maiores. Ou então cingimo-nos à nossa realidade, que é bem diferente da dos melhores. Já dizia o Prof. Moniz Pereira: Se queremos ser igual a eles, temos de fazer como eles. E como toda a gente sabe, na natação, em termos de estruturas, estaturas estamos em grande desvantagem com os melhores. Somos quase iguais em termos de conhecimento, porque hoje, já existem poucos segredos ao nível do treino, e só não sabe quem se está a borrifar para a formação. Mas as ditas desvantagens são difíceis de colmatar. De modo que quando aparece um talento, fora de série, temos que procurar que passe pelas mesmas experiências dos melhores, mas também que haja a humildade, que é preciso continuar sempre a trabalhar para estar entre eles.
Já me estou a alongar demasiado…
BA: Acho que é tudo, ou queres acrescentar alguma coisa que me tenha passado?PV: Levaríamos a noite toda no bate papo. Ainda escrevias um livro com as minhas declarações.
BA: Ok. Então... Muito Obrigado, Bons Treinos e até à próxima. AbraçoPV: Amanhã vai haver um encontro em Setúbal das diferentes gerações de nadadores do Naval. Acho que vai ser muito giro rever malta que já não via há muito tempo. Abraço.
Notícia de ultima hora, por Pedro Vale:
Acabei de saber que o Ricardo Varela, afinal tem um osso da mão partido. Lá se foram tantas horas de trabalho, para no próximo fim-de-semana ir tentar o mínimo para o Europeu de Juniores.
È contra estas contrariedades que temos de ter força para reagir. O trabalho foi feito, não vai ser agora, mas dará os seus frutos mais tarde. FORÇA RICARDO.